Neesta terça-feira (22), a Câmara Legislativa do Distrito Federal debateu a ampliação do acesso à terapia canábica para pacientes com transtorno do espectro autista (TEA) no DF. Durante o encontro, presidido pelo deputado Fábio Felix (Psol), os participantes discutiram estratégias para regularizar o uso da Cannabis sativa no tratamento de TEA e outras condições, como epilepsia e dores crônicas, e incentivar pesquisas científicas que investiguem os efeitos medicinais da planta no contexto do autismo.
Estudos recentes indicam que o canabidiol (CBD) e outros componentes da cannabis podem ser benéficos para tratar sintomas associados ao TEA, incluindo hiperatividade, irritabilidade, estereotipias (comportamentos repetitivos, como estalar os dedos ou alinhar objetos), distúrbios do sono e crises convulsivas. O acesso à terapia canábica, no entanto, desafiador por vários fatores: necessidade de importação do produto, que tem baixa oferta nacional; altos custos dos medicamentos; barreiras financeiras e estruturais no Sistema Único de Saúde (SUS) que impedem a oferta do tratamento gratuito a população; desinformação e estigma a respeito do uso medicinal da planta.
Na reunião, Felix definiu alguns encaminhamentos para tentar superar a dificuldade de aquisição de cannabis medicinal para terapia de autistas no DF. O parlamentar propôs realizar um encontro com o secretário de Saúde para formar um grupo de trabalho que elabore uma proposta de protocolo clínico para incorporar o produto no fluxo de atendimento do SUS. Felix sugeriu, ainda, a elaboração de materiais informativos, digitais e impressos, para enfrentamento ao preconceito a respeito do uso do medicamento.
“A falta de informação e a estigmatização do tema impactam na hora de criar um repertório de possibilidades para o tratamento [do autismo]”, disse Felix. “Às vezes, o profissional não tem formação para isso e todos esses elementos em torno da cannabis geram a impossibilidade desse tratamento ser apresentado na formação profissional e na própria Secretaria de Saúde”, frisou.
Tratamentos com canabidiol
Aline Rodrigues Ferreira, mãe de uma criança atípica, relatou que a terapia com canabidiol (CBD) tem proporcionado uma melhora significativa na qualidade de vida de seu filho Daniel, reduzindo comportamentos repetitivos e irritabilidade. Ela destacou, ainda, que o uso da medicação melhorou a socialização e o desenvolvimento do filho no ambiente escolar.
“Já faz dois anos que eu utilizo a terapia com canabidiol e ela nos proporcionou qualidade de vida, tanto para o Daniel, quanto para nossa família. Melhorou para o ele em relação às estereotipias e ansiedade”, disse Aline Rodrigues. “Essas terapias fazem com que os nossos filhos consigam aprender de uma forma mais calma e mais tranquila. Isso também facilita o processo deles de aprendizagem na escola”, ressaltou.
Tatiane Borges, mãe atípica e vice-presidente da Aliança Verde, relatou sua experiência com a associação que atualmente auxilia 250 membros, atendendo idosos, crianças e famílias em vulnerabilidade social. Segundo ela, foi por meio do trabalho da organização que seu filho autista, também diagnosticado com Síndrome de Sotos (condição genética rara caracterizada pelo crescimento físico excessivo durante os primeiros anos de vida) e epilepsia refratária, teve acesso ao tratamento com canabidiol. De acordo com ela, antes do uso da medicação, o filho chegava a ter cerca de 30 crises convulsivas diárias.
“Ele já usava o óleo importado, rico em CBD, mas era muito caro e [cotado] em dólar. Era um custo exorbitante, fazíamos vaquinha na família para conseguir comprar na época”, relatou Tatiane Borges. “Quando a gente teve acesso ao óleo integral da Aliança Verde, nossa vida mudou. Melhorou em questão de quantidade e intensidade. Hoje, graças a Deus, nosso filho não tem nenhuma crise durante o dia.”
“Quando meu filho parou de ter crises convulsivas, ele se transformou. Uma criança que, de um atraso global neuropsicomotor, consegue, hoje, fazer quase tudo. Ele ainda tem dificuldades motoras, mas frequenta a escola regular, brinca e consegue ter um pouco mais de autonomia graças a cannabis” – relatou Tatiane Borges, assistente social e vice-presidente da Aliança Verde.
Desafios de acesso
Segundo Jeanne Mazza, neurologista pediátrica do Hospital Universitário de Brasília (HUB-UnB) e especialista em transtorno do espectro autista, em 2014, o Conselho Federal de Medicina liberou o uso compassivo do canabidiol (CBD) e derivados, de forma que o governo não forneceria o produto, mas permitiria a utilização por meio de liberação para importação.
Em 2020, foram feitas revisões de vários estudos globais para avaliar a possibilidade de liberação mais ampla do uso medicinal da cannabis. A regulamentação, no entanto, restringiu o financiamento público ao CBD puro e apenas para três tipos de epilepsia — Síndrome de Lennox-Gastaut, Síndrome de Dravet e esclerose tuberosa —, não contemplando outras condições. “Eles foram extremamente conservadores e restritivos, para dizer o mínimo”, relatou a neurologista.
De acordo com o presidente do Instituto Agroecológico de Fitoterapia Bioser, Igor Aveline, o estigma relacionado à cannabis é um dos principais motivos que dificultam o acesso ao tratamento com a planta. Como consequência, prejudica que famílias iniciem a terapia canábica precocemente, prevenindo reações adversas e agravamentos.
“O preconceito impede que famílias acessem o uso da cannabis medicinal como primeira alternativa e evitem efeitos colaterais e danos. Esse preconceito também é ocasionado por uma política de estado que promove a guerra às drogas e não promove uma conscientização da importância dessa planta e dos seus usos milenares ancestrais”, frisou Aveline.
Ainda segundo Aveline, em 2024, o Governo do Distrito Federal gastou R$ 25 mil por cada paciente judicializado para acesso ao medicamento, enquanto o Instituto Bioser beneficia mais de 100 famílias carentes por meio de um programa social que gera uma economia de R$ 2,5 milhões ao estado. “Desoneramos R$ 2,5 milhões do estado e a nossa proposta é usar esse recurso para abrir uma clínica pública, em parceria com Instituto Bioser e outras associações, para que possamos garantir esse acesso”, frisou.
A reunião pública desta terça-feira (22) foi transmitida na TV Câmara Distrital, nos canais 9.3 (aberto), 11 da NET/Claro e 09 da Vivo, e está disponível no canal da CLDF no YouTube.
Fonte: Agência CLDF